Restrição do uso de dados obrigará empresas a criar novas estratégias (Foto: Marcello Casal Jr. via Agência Brasil )

Porto Velho, Rondônia - Não faz muito tempo, as empresas podiam usar de forma quase indiscriminada os dados pessoais. 

Qualquer um que preenchesse um formulário, passasse um cartão de crédito numa compra ou simplesmente postasse uma foto em rede social já estava, sem saber, nutrindo os sofisticados bancos de dados que alicerçam as decisões de marketing de muitas empresas.

Mais recentemente, porém, essas práticas se tornaram bastante restritas, limitando o que as empresas podem ou não fazer com os dados que coletam. Um estudo feito pela Gartner no ano passado estima que, até 2023, cerca de 65% da população mundial estará protegida por leis e regulações do uso de dados.

Exemplos nesse sentido já existem. Em âmbito mundial, o mais relevante é a GPDR (Regulação Geral de Proteção de Dados, na sigla em inglês), implementada em 2016 e aprimorada em 2018 na Europa.

Essa regulação, por sinal, serviu de base para que o Brasil mais recentemente lançasse mão de uma lei parecida, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), ainda em fase de implementação. São apenas duas iniciativas na esfera legal, entre tantas outras espalhadas pelo mundo.

Em linhas gerais, essas regulações partem do mesmo pressuposto: todos os dados pessoais pertencem aos cidadãos, e não às empresas que os colecionam. Portanto, qualquer uso só pode ser feito seguindo certas normas e, principalmente, com o consentimento das pessoas.

Esse é exatamente o ponto de mudança para as empresas que atuam com marketing digital. Capturar informações de navegação, compartilhar mailings, comprar dados e outras práticas comuns até pouco tempo agora podem esbarrar na lei.

Escassez de dados

Segundo o relatório global da Dentsu Report sobre investimento em publicidade, publicado em janeiro de 2021, as empresas compraram 8,8% menos mídia on ou offline em 2020 do que no ano anterior. 

Para 2021, espera-se uma retomada no pós-pandemia, com aumento de 5,8% dos investimentos. Isso não será suficiente para cobrir a retração, é verdade, mas há uma grande mudança de cenário. Metade desse investimento será em plataformas digitais, que oferecem a possibilidade de aferir com precisão o retorno sobre cada centavo investido.

Ao fazer uma campanha, por exemplo, no Google Search Ads, o anunciante sabe que paga, em média, US$ 2,32 por clique ou US$ 38,40 por mil visualizações. No Facebook, o custo médio é de US$ 1,35 e US$ 8,60, respectivamente, como mostra uma tabela do Top Draw. No fim do dia, um gestor de marketing sabe analisar com precisão onde obteve o melhor retorno - e, assim, tomar uma decisão bem embasada de escolha de canais.

Toda essa precisão se dá pela abundância de dados pessoais que Google, Facebook, Twitter, LinkedIn, Pinterest e centenas de outros players conseguem coletar. À medida que a disponibilidade desses dados for menor, o altamente eficiente marketing digital que conhecemos hoje tende a ser colocado em xeque.

Como, então, os times de marketing vão reagir a essas mudanças?

Bem, é difícil prever com alto grau de precisão, porque o mercado é heterogêneo e complexo. Mas já existem algumas pistas. Em sua 12ª edição, o evento Content Marketing World será realizado presencialmente nesta semana em Cleveland, nos Estados Unidos. Uma de suas propostas é trazer uma resposta a essa pergunta.

E a resposta que mais deve ecoar a partir dos microfones dos palestrantes em Cleveland tende a ser: “Construa confiança entre a marca e o público”.

“A pandemia acelerou as estratégias digitais entre empresas e, nesse contexto, o conteúdo ganhou um papel de maior destaque. Ele agora ajuda as marcas a mostrar empatia e a ter um propósito maior diante das pessoas”, resume Stéphanie Stahl, general manager do Content Marketing Institute (CMI), proprietária do evento.

Quando se fala em construir uma relação de confiança, frequentemente os palestrantes e autores de livro nessa área remontam a exemplos clássicos. 

Em 1895, a fabricante de equipamentos agrícolas John Deere criou uma revista chamada The Furrow, voltada para fazendeiros. A publicação ainda hoje está em circulação e fez com que a marca se tornasse não apenas conhecida por seu público, mas uma referência para ele.

Na era digital, um exemplo icônico é Lego. A marca dinamarquesa de brinquedos soube como poucas publicar conteúdo com alto engajamento em suas plataformas digitais, redes sociais, canal no YouTube e por aí vai. A tal ponto que conseguiu usar a força dessa audiência própria para lançar dois filmes no cinema e quase faturar um Oscar de melhor canção original com o primeiro deles — “Uma Aventura Lego”.

É desse tipo de construção de confiança que se está falando.

Empatia e propósito

Em anos anteriores, o Content Marketing World já vinha dando ênfase ao uso de dados por parte das empresas. O assunto não deixou de ser importante, mas, de certa forma, o enfoque mudou. O desafio para gestores agora é saber trabalhar num mundo em que os dados serão mais um complemento do que o ator principal numa rotina de trabalho. E precisam, mais do que em qualquer momento anterior da história, ganhar a confiança das pessoas.

Basta observar quais serão os dois keynotes (nome dado às palestras de destaque) de abertura, na próxima quarta-feira (29) em Cleveland. Ambos têm títulos autoexplicativos: “Atração de Clientes: Construindo Engajamento Autêntico por Meio de Conteúdo”, apresentado pela autora americana Jill Grozalsky Roberson, e “A Arte do Storytelling: Contando Bem Histórias Reais”, pela também americana Ann Handley, autora de alguns dos livros mais icônicos de marketing de conteúdo do mundo, com destaque para Everybody Writes.

A programação do evento nos demais dias e horários, com palestras voltadas para profissionais de marketing, indica que, sim, o aspecto técnico continua importando. Por exemplo, inteligência artificial terá sessões presenciais e online em todos os dias.

O fato é que, num passado recente, a visão de que o marketing precisaria dos dados para alcançar resultados expressivos se confirmou. Agora o mercado parte para o segundo tempo da discussão: como sobreviver sem o benefício da fase de bonança da era de uma terra sem lei — pelo menos no quesito dados pessoais?

Fonte: Época Negócios